A repressão das manifestações contra o regime de José Eduardo dos Santos, em Angola, foi veiculada na imprensa portuguesa. Mas é praticamente nula a reacção dos órgãos oficiais de Portugal. Porque tamanho silêncio?
O silêncio é notório, tanto a nível político como entre os movimentos da sociedade civil. O que explica este silêncio nos últimos tempos, em Portugal, sobre os protestos ao regime em Angola? Que interesses estão em jogo? Duas questões que a DW África colocou a alguns analistas e ativistas, atentos ao desenvolvimento das relações entre Lisboa e Luanda - agora reforçadas com a visita no espaço de uma semana dos ministros portugueses da Agricultura e das Finanças, respetivamente Assunção Cristas e Vítor Gaspar, ao país africano.
Para o professor Carlos Manuel Lopes, do Instituto Universitário de Lisboa, a repressão às manifestações não têm tido eco em Portugal por uma questão de cautela. "É um silêncio diplomático que deverá justificar este tipo de omissão," pondera. O professor lembra que não é só o caso de Portugal. "Os Estados Unidos da América também se mantêm calados", pondera.
Em jogo, estarão os interesses bilaterais, sobretudo no plano económico. No entanto, apesar da complexidade do processo angolano, Carlos Lopes não deixa de reconhecer os exemplos claros de desrespeito aos direitos humanos no país.
O jornalista Orlando Castro observa, no passado, o tempo em que Lisboa e Porto fervilhavam em solidariedade para com a causa angolana e afirma que, atualmente, é possível compreender a apatia da sociedade portuguesa, mas não é possível aceitá-la. "Portugal está, nos últimos anos, a atravessar uma situação económica difícil. Está, em linguagem popular, com uma mão estendida para ver se lhe dão uma moedinha", explica.
Para este jornalista, o poder económico angolano tem reflexos no país europeu. "O poder económico do regime angolano e de gente ligada ao poder em Angola tem muita influência em Portugal, sobretudo a nível empresarial, e a nível da comunicação social", afirma. A partir do momento em que os investidores angolanos também entraram no capital de empresas portuguesas, explica Orlando Castro, tais meios deixaram de se preocupar ou denunciar a situação em Angola.
Também atento às violações dos direitos fundamentais está Jorge Silva, membro do Bloco Democrático que realizou uma vigília no ano passado em Lisboa pela democracia em Angola. Para ele, várias razões explicam esta passividade também por parte da comunidade angolana.
"Essa atitude passiva da comunidade angolana em Portugal é um bocado também reflexo dos receios e dos meios que existem em Angola", revela. Segundo Silva, "todos têm na memória muito frescas as repressões e retaliações que o regime de José Eduardo dos Santos exerce sobre aqueles que ousam levantar a voz".
Este ativista relata ainda que a intimidação desencadeada pelas autoridades policiais angolanas tem contribuído para ameaçar as iniciativas da sociedade civil. Por outro lado, acrescenta que "os dirigentes do movimento associativo angolano em Portugal, de um modo geral, estão colados às posições da embaixada e assumem essa passividade".
Mas, para Jorge Silva, de um modo geral, a reação das pessoas é de repulsa face aos atos de repressão contra aqueles que se manifestam publicamente em Angola em oposição ao regime dominado pelo MPLA.
Já o professor e economista João Cantiga Esteves acha que, pela sua experiência, Portugal deve partilhar os seus valores de democracia. "Devemos ter isso presente e também fazer aqui algo pedagógico, partilhar e afirmar aquilo que são valores muito nossos, nomeadamente os valores da democracia liberal e da economia de mercado", sugere.