sábado, 31 de março de 2012

Portugal silencia o que se passa em Angola

A repressão das manifestações contra o regime de José Eduardo dos Santos, em Angola, foi veiculada na imprensa portuguesa. Mas é praticamente nula a reacção dos órgãos oficiais de Portugal. Porque tamanho silêncio?

O silêncio é notório, tanto a nível político como entre os movimentos da sociedade civil. O que explica este silêncio nos últimos tempos, em Portugal, sobre os protestos ao regime em Angola? Que interesses estão em jogo? Duas questões que a DW África colocou a alguns analistas e ativistas, atentos ao desenvolvimento das relações entre Lisboa e Luanda - agora reforçadas com a visita no espaço de uma semana dos ministros portugueses da Agricultura e das Finanças, respetivamente Assunção Cristas e Vítor Gaspar, ao país africano.

Para o professor Carlos Manuel Lopes, do Instituto Universitário de Lisboa, a repressão às manifestações não têm tido eco em Portugal por uma questão de cautela. "É um silêncio diplomático que deverá justificar este tipo de omissão," pondera. O professor lembra que não é só o caso de Portugal. "Os Estados Unidos da América também se mantêm calados", pondera.

Em jogo, estarão os interesses bilaterais, sobretudo no plano económico. No entanto, apesar da complexidade do processo angolano, Carlos Lopes não deixa de reconhecer os exemplos claros de desrespeito aos direitos humanos no país.

O jornalista Orlando Castro observa, no passado, o tempo em que Lisboa e Porto fervilhavam em solidariedade para com a causa angolana e afirma que, atualmente, é possível compreender a apatia da sociedade portuguesa, mas não é possível aceitá-la. "Portugal está, nos últimos anos, a atravessar uma situação económica difícil. Está, em linguagem popular, com uma mão estendida para ver se lhe dão uma moedinha", explica.

Para este jornalista, o poder económico angolano tem reflexos no país europeu. "O poder económico do regime angolano e de gente ligada ao poder em Angola tem muita influência em Portugal, sobretudo a nível empresarial, e a nível da comunicação social", afirma. A partir do momento em que os investidores angolanos também entraram no capital de empresas portuguesas, explica Orlando Castro, tais meios deixaram de se preocupar ou denunciar a situação em Angola.

Também atento às violações dos direitos fundamentais está Jorge Silva, membro do Bloco Democrático que realizou uma vigília no ano passado em Lisboa pela democracia em Angola. Para ele, várias razões explicam esta passividade também por parte da comunidade angolana.

"Essa atitude passiva da comunidade angolana em Portugal é um bocado também reflexo dos receios e dos meios que existem em Angola", revela. Segundo Silva, "todos têm na memória muito frescas as repressões e retaliações que o regime de José Eduardo dos Santos exerce sobre aqueles que ousam levantar a voz".

Este ativista relata ainda que a intimidação desencadeada pelas autoridades policiais angolanas tem contribuído para ameaçar as iniciativas da sociedade civil. Por outro lado, acrescenta que "os dirigentes do movimento associativo angolano em Portugal, de um modo geral, estão colados às posições da embaixada e assumem essa passividade".

Mas, para Jorge Silva, de um modo geral, a reação das pessoas é de repulsa face aos atos de repressão contra aqueles que se manifestam publicamente em Angola em oposição ao regime dominado pelo MPLA.

Já o professor e economista João Cantiga Esteves acha que, pela sua experiência, Portugal deve partilhar os seus valores de democracia. "Devemos ter isso presente e também fazer aqui algo pedagógico, partilhar e afirmar aquilo que são valores muito nossos, nomeadamente os valores da democracia liberal e da economia de mercado", sugere.

Galo preso no visgo ou de asas cortadas?

No dia 5 de Setembro de 2008 o galo não voou. O visgo do MPLA manteve-o colado às bissapas. Os angolanos de segunda (também conhecidos por kwachas) foram apanhar café às ordens dos novos senhores coloniais.

O problema do visgo foi resolvido. Mas será que este ano (se até lá o dono do reino não mudar de ideias) o galo vai voar ou, mais uma vez, vai descobrir que o regime lhe cortou as asas?

De uma forma geral a memória dos angolano, neste caso, é curta. Importa por isso ir relembrando algumas coisas, mesmo quando se sabe que se não fosse o MPLA a cortar as asas ao Galo Negro, alguém da própria UNITA se encarregará de o fazer.

No dia 24 de Fevereiro de 2002 alguém disse: “sekulu wafa, kalye wendi k'ondalatu! v'ukanoli o café k'imbo lyamale!”. Ou seja, morreu o mais velho, agora ireis apanhar café em terras do norte como contratados.

Tirando os conhecidos exemplos da elite partidária, os soldados e simpatizantes da UNITA, bem como a maioria do Povo angolano, têm estado deste então a apanhar café, ou algo que o valha.

Têm estado naquela fase de peixe podre, panos ruins, 50 angolares e porrada se refilares.

No rescaldo da guerra imediatamente a seguir à Independência, entre 1976 a 1978, houve uma brutal escassez de alimentos e a paralisação dos campos de algodão e café do norte de Angola.

Para fazer face a esse desafio, o governo a quem Portugal entregara unilateralmente o poder de Angola reeditou a guerra do Kwata-Kwata, obrigando pela força das armas os contratados ovimbundos e ou bailundos (que outros poderiam ser?) a ir para as roças, sobretudo do norte de Angola.

Com a independência, os camponeses do planalto e sul de Angola sonharam (ainda hoje continuam a sonhar) com o fim do seu recrutamento forçado para aquelas roças. A reedição da estratégia colonial por um governo independente foi um golpe duríssimo na sua ilusória liberdade.

O então líder da UNITA, Jonas Savimbi, agastado com a fraqueza e quase exaustão das forças que conseguiram sobreviver à retira das cidades, em direcção às matas do leste (Jamba), onde reorganizou a luta de resistência, aproveitou esse facto, bem como a presença de estrangeiros, para mobilizar os angolanos.

«Ise okufa, etombo livala» (prefiro antes a morte, do que a escravatura ), dizia Savimbi aos seus homens, militares ou não.

E agora? Agora (e depois de ter sido assassinado por alguns dos seus próprios militares) os seus discípulos mais ilustres preferem a escravatura de barriga cheia do que a liberdade com ela vazia.

Será que se lembram dos que só foram livres enquanto andaram com uma arma na mão?

Há muito que, por obra e graça do MPLA mas – igualmente – por incapacidade dos seus quadros, se prevê o fim da UNITA.

Jonas Savimbi morreu no dia 21 de Fevereiro de 2002, em combate e às mãos de alguns dos seus antigos generais. Foi nesse dia que começou a morrer a UNITA. De morte lenta, é certo, mas igualmente (tanto quanto parece) de forma irreversível.

Talvez pouco adiante continuar a dizer que a vitória seguinte começou com a derrota anterior. Isso faria sentido se o Mais Velho ainda andasse por cá.

Apesar de todas as enorme aldrabices do MPLA, as eleições legislativas acabaram por derrotar em todas as frentes não só a estratégia mas a sua execução, elaboradas por alguns dos “generais” da UNITA.

Esperando, embora tendo cada vez menos essa certeza, que a Direcção da UNITA, esta ou qualquer outra, prefira ser salva pela crítica do que assassinada pelo elogio, volto a dizer o que penso com a legitimidade inerente ao facto de ser angolano, mau grado não ser negro, facto que parece incomodar alguns elementos da  Direcção do Galo Negro.

Desde logo, lembrando que muitos dos “generais” escolhidos por Isaías Samakuva para os combates eleitorais, sociais e políticos levantaram os braços e içaram um pano branco quando se ouviu o primeiro “tiro”.

A hecatombe eleitoral, social e política mostrou que a UNITA não estava mesmo preparada para ser governo e queria apenas assegurar alguns tachos e continuar a ser o primeiro dos últimos.

O sacrificado povo angolano, mesmo sabendo que foi o MPLA que o pôs de barriga vazia, não viu na UNITA a alternativa válida que durante décadas lhe foi prometida, entre muitos outros, por Jonas Savimbi, António Dembo, Paulo Lukamba Gato, Alcides Sakala e Samuel Chiwale.

Terá sido para ver a UNITA com pouco mais de 10%, percentagem que pode vir a ser ainda mais reduzida, que Jonas Savimbi lutou e morreu? Não. Não foi. E é pena que os seus ensinamentos, tal como os seus muitos erros, de nada tenham servido aos que, sem saberem como, herdaram o partido e a ribalta da elite angolana. É pena que os que sempre tiveram a barriga cheia nada saibam, nem queiram saber, dos que militaram na fome, mas que se alimentaram com o orgulho de ter ao peito o Galo Negro.

Se calhar também é pena que todos aqueles que viram na mandioca um manjar dos deuses estejam, como parece, rendidos à lagosta dos lugares de elite de Luanda.

Por último, se calhar também é de lamentar que figuras sem passado, com discutível presente, queiram ter um futuro à custa da desonra dos seus antepassados que deram tudo o que tinham, incluindo a vida, para dignificar os Angolanos.

É que, ao contrário do Mais Velho, na UNITA há muitos que preferem ser escravos com lagosta na mesa do que livres embora procurando mandioca nas lavras.

Não creio que Homens como Paulo Lukamba Gato, Alcides Sakala e muitos, muitos, outros, tenham deitado a toalha da luta política ao tapete. Também não creio que aceitem trair um povo que neles acreditou e que à UNITA deu o que tinha e o que não tinha.

E é esse povo que, de barriga vazia, sem assistência médica, sem casas, sem escolas, reclama por justiça e que a vê cada vez mais longe. E é esse povo que, como dizia o arcebispo da minha cidade (Huambo), D. José de Queirós Alves, não tem força mas tem razão.

Cabinda espera e desespera… até um dia

Após oito anos, os defensores dos direitos humanos na colónia angolana de Cabinda continuam a lutar para que sejam, pelo menos, respeitados os seus direitos de liberdade de associação.

Em 14 de Março de 2004 membros da Mpalabanda – Associação Cívica de Cabinda e grupos parceiros da sociedade civil reuniram-se para anunciar oficialmente o estabelecimento da organização.

Dois anos mais tarde, em 20 de Julho de 2006, a Mpalabanda foi banida pelo Tribunal colonial de Cabinda, mesmo sem existirem evidências para apoiar as acusações de que a organização promovia a violência. Seis anos depois, o judiciário continua a recusar levar em consideração o recurso contra o fecho da organização cívica.

A Mpalabanda era a única organização de direitos humanos activa em Cabinda. Era responsável pela documentação de violações dos direitos humanos cometidas tanto pelo governo quanto pela Frente para a Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC).

Logo após seu fecho em Agosto de 2006, a Mpalabanda interpôs um recurso no Tribunal Supremo na capital da potência colonial, Luanda. O judiciário não deu continuidade ao caso e até o momento nenhuma audiência foi agendada.

Depois de mais de cinco anos, em Novembro de 2011, ex-membros da Mpalabanda junto com outros defensores dos direitos humanos e representantes da sociedade civil assinaram uma petição que foi submetida ao Tribunal Supremo.

A petição requeria que o Tribunal Supremo considerasse o recurso interposto pela Mpalabanda em 2006. Ao mesmo tempo que a petição reconhece que existe um notável acúmulo de casos no sistema judicial, aponta que o recurso submetido pela Mpalabanda continua pendente mesmo depois de já ter transcorrido mais do que o dobro do período médio de espera para casos similares.

Organizações nacionais e internacionais (Front Line Defenders, ACAT France, Associação Construindo Comunidades, CIVICUS, OMUNGA, SOS Habitat)  apoiam inteiramente a petição da sociedade civil angolana e cabinda e instam o Supremo Tribunal de Angola a apreciar o recurso sem mais delongas. É amplamente reconhecido na jurisprudência internacional a excessiva morosidade processual constitui denegação de justiça.

Estas organizações manifestam ainda a sua preocupação com as restrições ao direito à liberdade de expressão, associação e reunião que continuam a ocorrer em Cabinda.

Em Fevereiro, Março e Abril de 2011, uma série de protestos antigovernamentais foram proibidos ou dispersados e os  participantes foram presos. Em Julho de 2011, nove activistas que pretendiam apresentar uma carta à uma delegação de representantes da União Europeia foram presos pela polícia e acusados, sendo todos absolvidos no mês seguinte.

Em 2010, sob o pretexto de investigar o ataque contra a escolta militar angolana à selecção togolesa de futebol, que provocou dois mortos e nove feridos, as autoridades angolanas lançaram uma ofensiva contra defensores dos direitos humanos e críticos do governo em Cabinda.

Quatro desses defensores dos direitos humanos, incluindo antigos membros da Mpalabanda, junto com vários outros activistas da sociedade civil foram acusados de crimes não especificados contra a segurança do estado sob a lei 1978, mesmo sem existir nenhuma evidência contra eles provando qualquer envolvimento no ataque.

Alguns deles foram sentenciados a penas que variavam de três a seis anos de prisão. Todos foram liberados entre Setembro e Dezembro de 2010 e uma revisão parlamentar do abusivo Art.26° da Lei 7/78 sob o qual eles foram condenados foi realizada.

Importa lembrar as autoridades angolanas das suas obrigações relacionadas aos direitos humanos e seus compromissos para defender a liberdade de associação, expressão e reunião e respeitar o papel legítimo dos defensores dos direitos humanos.

Registe-se com agrado teórico que o governo angolano aceitou as recomendações recebidas durante o Revisão Periódica Universal (RPU) em 2010, em particular a que se refere a “garantir aos defensores dos direitos humanos plena legitimidade e protecção" e "prosseguir um diálogo aberto com defensores dos direitos humanos, em particular em Cabinda".

Neste âmbito, a apreciação do recurso da Mpalabanda e a retirada de sua proibição constituem passos importantes na implementação de tais recomendações.

Espera-se, entretanto, que as autoridades angolanas, sem mais delongas, apreciem o recurso interposto pela Mpalabanda em 2006, e assegurem o respeito completo quanto às garantias de um julgamento justo incluindo especialmente a objectividade e imparcialidade da revisão.

Embora cépticos, os cabindas esperam igualmente o respeito completo pela liberdade de reunião pacífica; medidas para garantir o reconhecimento público e o pleno respeito do papel legítimo que os defensores dos direitos humanos desempenham na sociedade, incluindo examinar os registos do governo em direitos humanos e expressar críticas.

Esperam ainda que existam garantias de que em todas as circunstâncias todos os defensores dos direitos humanos em Cabinda sejam capazes de realizar suas actividades legítimas de defesa dos direitos humanos, sem medo de represálias e livres de qualquer restrição, incluindo o assédio judicial

Pepetela critica Eduardo dos Santos? Hum!

O escritor Pepetela, vencedor do Prémio Camões em 1997,  e o ex-primeiro-ministro e ex-secretário-geral do MPLA, Marcolino Moco, expressaram a sua "preocupação e indignação" pela repressão policial sobre as recentes manifestações, numa carta aberta ao Presidente angolano.

No que a Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos (Pepetela) respeita, quero acreditar que mais vale tardo do que nunca. Isto porque Pepetela, por exemplo, participou no massacre de 27 de Maio de 1977 e, quer se queira quer não, tão responsável é o que puxa o gatilho como aquele que participa na farsa acusatória.

Além de José Eduardo dos Santos, a carta aberta, a que a agência Lusa teve acesso, foi também enviada ao Procurador-Geral da República, José Maria de Sousa, ao Provedor de Justiça, Paulo Tjipilika, e ao presidente do Tribunal Constitucional, Cristiano André.

Ao longo de duas páginas, os signatários, entre os quais figuram também o antigo deputado do MPLA e escritor Mendes de Carvalho, Jacques dos Santos, a secretária-geral do Sindicato dos Jornalistas, Luísa Rogério, o jornalista Reginaldo Silva e Fernando Pacheco, fundador e antigo presidente da ADRA (Associação De Desenvolvimento de Desenvolvimento Rural de Angola), manifestam a sua "preocupação e indignação" pelos últimos acontecimentos registados no sábado, dia 10, em Luanda e Benguela, na sequência de duas tentativas de manifestação, frustradas pela intervenção da polícia e de civis (estes constituídos pelo regime em milícias).

Na qualidade de membros da sociedade civil angolana, expressaram igualmente "inquietação pela violação de um conjunto de direitos fundamentais dos cidadãos previstos na Constituição como, por exemplo, o direito à manifestação, à segurança pessoal e à integridade civil".

"Tendo em conta que estamos em ano de eleições, defendemos que não deveria haver restrições às liberdades que não firam a lei, porque isso cria um ambiente adverso à participação dos cidadãos nas eleições e favorável a especulações que possam pôr em causa a sua credibilidade e a dos seus resultados, e gerador de tensões atentatórias à paz social", lê-se ainda no documento.

Se calhar e se fosse vivo, Nito Alves estaria a perguntar se seria legítima a actuação da polícia e dos seus capangas caso não se estivesse em ano de eleições. Liberdade é liberdade, seja ou não em tempo eleitoral.

Os subscritores manifestam, por outro lado, "estranheza e apreensão" pelo facto de a Televisão Pública de Angola, que consideram "normalmente pouco aberta à sociedade civil", ter divulgado largamente nos noticiários da passada segunda-feira uma comunicação "agressiva" feita por desconhecidos contendo "ameaças à realização de actos à margem da lei".

Estranheza e apreensão? A TPA e as restantes correias de transmissão, como muito bem sabem os signatários, só fazem o que o regime manda. E esse mesmo regime, que tem pavor da verdade, quer espalhar a confusão e arranjar motivos para fazer nova purga no país.

A polícia contou, mais uma vez, com o seu poder popular para meter na ordem todos aqueles que teimam em pensar diferente do regime que, recorde-se, governa Angola desde 1975 e que tem um presidente, não eleito, há 32 anos no poder.

A referência à TPA, segundo a Lusa, tem a ver com a transmissão de declarações de um elemento, não identificado, de um pretenso grupo que sábado se envolveu em confrontos com os jovens que em Luanda se pretendiam manifestar contra o regime, dando assim expressão à tese defendida pela polícia angolana, que assim procurou justificar a existência de feridos em Luanda em resultado dos confrontos dos dois grupos.

"Expostas as preocupações e os sentimentos, as Associações e cidadãos abaixo assinados, esperam a intervenção de V. Exas., no sentido de ordenar que as instituições públicas cumpram os seus deveres de zelar pela integridade física e pelo bem-estar dos cidadãos, de respeito pela ordem democrática que desejamos se consolide em Angola", acentua-se no documento.

Os subscritores concluem manifestando a esperança que os "agressores e outros prevaricadores sejam punidos nos termos da lei, que a Polícia Nacional seja instruída para funcionar num ambiente de construção da democracia e da justiça social, e que os meios de comunicação, em especial os públicos, sejam orientados a pautar a sua acção pela isenção e o respeito pelos cidadãos e pelas diferenças que os caracterizam".

Tanto quanto sei, certamente por falta de… espaço, a carta aberta nada diz sobre o facto de a Redacção do jornal angolano Folha 8  ter sido invadida por  15 homens  da DNIC - Direcção Nacional de Investigação Criminal  e terem sido confiscados todos os computadores e os jornalistas confrontados com ameaças e actos de brutalidade.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Entre a lagosta de Luanda e a mandioca do Huambo

O facto de ter sido militante da UNITA (nº 53 149 e membro nº 11 da JURA no Huambo, da qual, aliás, fui secretário do Departamento Cultural do Comité do Huambo) não me dá qualquer especial legitimidade. Mas também não ma tira.

Não sei se qualquer reflexão que ultrapasse o círculo de bajuladores de Isaías Samakuva serve para aqueles que sobrevivem com mandioca ou, pelo contrário, para os que se banqueteiam com lagostas em Luanda.

Perante o desastre eleitoral anterior (e no próximo, se o houver, será pior), Samakuva mexeu na equipa dirigente, baralhou tudo e voltou a dar para, presumi na altura, dar um novo dinamismo à máquina partidária. Hoje presumo menos. Amanhã menos ainda.

Ninguém melhor, penso, do que Samakuva para saber se a UNITA vai conseguir viver sem comer. UNITA no sentido dos homens e mulheres que tinham orgulho no Galo Negro que transportavam no peito. Temo que, apesar da muita experiência, um dia destes se venha dizer, venha o MPLA dizer, que exactamente quando estava mesmo, mesmo quase a saber viver sem comer, a UNITA morreu.

A UNITA, ou seja – os seus dirigentes, continua a preferir ser assassinada pelo elogio do que salva pela crítica. E quando assim é... não há memória que a salve, nem mesmo a do Mais Velho.

Depois de perdida (embora com muita batota) a batalha das legislativas, continuo a pensar que a UNITA escolheu os seus “generais” para a “guerra” política baseada em critérios de parca consistência.

Continuo a pensar (e quarta-feira o Abel Chivukuvuku mostrou que pensa o mesmo) que se Jonas Savimbi fosse vivo, grande parte destes “generais” não passava de “cabos”. “Cabos” que, recorde-se, passarem a generais nas FAA e até o ajudaram a matar.

E, para – apesar de tudo - meu penar, não sou o único (longe disso) a pensar assim. Sou, eu sei, dos poucos que publicamente assume esta tese. Tenho, no entanto, recebido testemunhos com chipala e nome, que comprovam que o Estado-Maior da UNITA continua a querer ganhar a “guerra” com “generais” que ao primeiro “tiro” vão para o outro lado da barricada ou, na melhor das hipóteses, levantam os braços, içam um pano branco e depenam o Galo Negro.

O sacrificado povo angolano, mesmo sabendo que foi o MPLA que o pôs de barriga vazia, não viu, não vê e assim nunca verá na UNITA a alternativa válida que durante décadas lhe foi prometida, entre muitos outros, por Jonas Savimbi, António Dembo, Paulo Lukamba Gato, Alcides Sakala e Samuel Chiwale.

Creio por isso, e apesar das muitas dificuldades, que a Convergência Ampla de Salvação de Angola (CASA) de Abel Chivukuvuku possa ser, ou representa, a carta de alforria para o Povo angolano.

Mas voltemos à UNITA. Terá sido para isto que Jonas Savimbi lutou e morreu? Não. Não foi. E é pena que os seus ensinamentos, tal como os seus muitos erros, de nada tenham servido aos que, sem saberem como, herdaram o partido.

Continuo a lamentar que os que sempre tiveram a barriga cheia nada saibam, nem queiram saber, dos que militaram na fome, mas que se alimentaram com o orgulho de ter ao peito o Galo Negro.

Também é pena, importa continuar a dizê-lo, que todos aqueles que viram na mandioca um manjar dos deuses estejam, como parece, rendidos à lagosta dos lugares de elite de Luanda.

Se calhar também é de lamentar que figuras sem passado, com discutível presente e necessariamente sem futuro, queiram ter tudo à custa da desonra dos seus antepassados que deram tudo o que tinham, incluindo a vida, para dignificar os Angolanos.

Será que a UNITA não enterrou, depois da morte de Savimbi, o espírito que deu corpo ao que se decidiu no Muangai em 13 de Março de 1966?

Ao ouvir Rafael Massanga Savimbi dizer que o Galo voa, lembrei-me novamente de algo que o Pai dele me disse, no Huambo, em 1975: “a UNITA, tal como Angola, não se define – sente-se”. E para ter tal sentimento é preciso conhecer as lavras de mandioca.

Foi do Muangai que saíram pilares como a luta pela liberdade e independência total da Pátria; Democracia assegurada pelo voto do povo através dos partidos; Soberania expressa e impregnada na vontade do povo de ter amigos e aliados primando sempre os interesses dos angolanos.

Foi de lá que também saíram teses sobre a defesa da igualdade de todos os angolanos na Pátria do seu nascimento; busca de soluções económicas, priorização do campo para beneficiar a cidade;  liberdade, democracia,  justiça social,  solidariedade e  ética na condução da política.

Alguém, na UNITA, se lembra hoje de quem disse: ”Eu assumo esta responsabilidade e quando chegar a hora da morte, não sou eu que vou dizer não sabia, estou preparado"?

Isaías Samakuva mostrou ao mundo que as democracias ocidentais estão a sustentar um regime corrupto e um partido que quer perpetuar-se no poder. E de que lhe valeu isso?

Depois da hecatombe eleitoral, provocada também pela ingenuidade da UNITA acreditar que Angola caminha para a democracia, Samakuva alterou os jogadores, a forma de jogar e promete, continua a prometer, melhores resultados.

Mas a verdade é que muitos desses craques que escolheu não conseguem olhar para além do umbigo, do próprio umbigo, e passaram os últimos anos a marcar golos na própria baliza.

Habituaram-se à lagosta e esqueceram a mandioca.

Quem será o próximo a ser assassinado?

Seguindo a sua velha tradição, a Guiné-Bissau voltou a resolver contas mais ou menos recentes impondo a razão da força. Militares assassinaram a tiro o coronel Samba Djaló.

Militares contra militares e coisas similares já não constituem novidade na Guiné-Bissau. Também a passividade internacional, sobretudo dessa coisa aberrante que dá pelo nome pomposo de Comunidade de Países de Língua Portuguesa, não é novidade.

Seja qual for a crise, a resposta é sempre a mesma. Não se cura a enfermidade mas apenas se alivia a dor. Isto até que o doente pura e simplesmente... morra.

A tese é a de que os guineenses podem ser alimentados com votos, que as crises se resolvem com votos e que os votos são um milagroso remédio que cura todos os males.

O Ocidente, e neste caso particular da Guiné-Bissau a CPLP e sobretudo Portugal, sabe que África teve, tem e continuará a ter uma História de autoritarismo que, aliás, faz parte da sua própria cultura e que em nada preocupa os fazedores da macro-política que se passeiam nos areópagos dos luxuosos hotéis do mundo.

Apesar disso, teima-se em exportar a democracia “made in Ocidente”, sem ver que a realidade africana é bem diferente. Vai daí, pela força dos votos os ditadores chegam ao Poder, ficam eternamente no poder e em vez de servirem o povo, servem-se dele. Mas como, supostamente, foram eleitos...

Mas será isso democracia? Por que carga de chuva ninguém se lembra que, por exemplo, na Guiné-Bissau as escolhas não são feitas com o cérebro mas com a barriga, ainda por cima vazia, com uma AK-47 encostada às costas?

Foi neste contexto que “Nino” Vieira (tal como, entre muitos outros, José Eduardo dos Santos e Robert Mugabe) chegou a presidente e, tal como o seu homólogo, mentor e amigo angolano, por lá queria continuar com o beneplácito da tal Comunidade de Países de Língua Portuguesa.

A estratégia de “Nino” Vieira falhou, mas outras aí estão no terreno com inegável pujança e com a histórica cobertura dos donos do poder em Portugal, na CPLP e no mundo.

Se os votos são comprados, isso pouco interessa. Se os guineenses votam em função da barriga vazia e não de uma consciente opção política, isso pouco interessa.

Para quem vive bem, para quem tem pelo menos três refeições por dia, o importante foi e será que os guineenses votem. Não importa o que aconteceu antes, o que está a acontecer agora e que voltará a acontecer um dia destes.

Não será, aliás, difícil antever que o sangue do povo guineense voltará a correr. Mas o que é que isso importa? O que importa é terem votado...

Será que Kumba Ialá tinha razão quando, em 17 de Junho de 2009, acusou o PAIGC de ser responsável pela morte de Amílcar Cabral,  "Nino" Vieira, Tagmé Na Waié, Hélder Proença e Baciro Dabó?

"Carlos Gomes Júnior têm que responder no Tribunal Penal Internacional pelas atrocidades que estão a cometer", no país, defendeu nesse dia Ialá, acrescentando que "há pessoas a quererem vender a Guiné-Bissau", mas esclarecendo que "serão responsáveis pelas turbulências que terão lugar no futuro".

Sendo certo que não adianta chorar sobre leite derramado ou que, como acontece na Guiné-Bissau, o pão dos pobres nunca cai com a manteiga virada para baixo (se dois em cada três vivem na pobreza absoluta, não têm nem pão e muito menos manteiga), o importante é haver eleições.

Que conclusões terá tirado a CPLP e Portugal quando Carlos Gomes Júnior disse que “era impossível coabitar com “Nino” Vieira que não passava de um bandido e de um mercenário que traiu o povo"?

Que conclusões terá tirado a CPLP e Portugal ao saber que, tal como se passou nas eleições angolanas, também “Nino” conseguiu em alguns círculos ter mais votos do que eleitores registados?

Pelos vistos à CPLP e a Portugal apenas interessa que se vote, nem que para isso se chamem os mortos, tal como aconteceu e acontecerá em Angola.

Se os votos forem comprados, isso pouco interessa. Se os povos votarem em função da barriga vazia e não de uma consciente opção política, isso pouco interessa.

Aliás, basta ver que a União Europeia, tal como a CPLP,  enche o peito contra os fracos, Bissau, e põe-se de cócoras perante os fortes, Luanda.

Dá-me vontade de rir quando leio que  a UE "insta" a Guiné-Bissau a proceder à investigação judicial dos acontecimentos ocorridos em 1 de Abril de 2010, por exemplo, e a "reforçar os esforços para resolver o problema da impunidade".

Isto porque a UE ainda não viu (já não falo da CPLP que é cega) que não  há maior estado impune do que Angola, ainda não sabe que o regime de Eduardo dos Santos é dono e senhor do país e  do povo, ainda não foi informada que Angola é um dos países mais corruptos do mundo.

Tudo isto que tem como palco a Guiné-Bissau é, afinal, a reedição de um filme já gasto de tanto ser usado. Vão mudando os protagonistas principais mas o argumento é sempre o mesmo. E se o argumento é o mesmo, o fim será idêntico: mais uns tiros e mais uns dirigentes mortos.

Exagero? Talvez. Deus queira que sim. Mas a verdade é que na Guiné-Bissau nenhum candidato, nenhum presidente, acabou o seu mandato e em 17 anos o país já teve sete presidentes.

Por alguma razão, o ex-chefe do Governo guineense, Francisco Fadul, considerava que, face ao estado em que se encontra a Guiné-Bissau, as Nações Unidas deveriam assegurar a governação do país, instituindo um protectorado pelo período mínimo de 10 anos, "para que não haja recidivas, não haja retrocessos".

Recordam-se que o coronel Antero João Correia, antigo comandante-geral da Polícia, teria sido detido por ordens do então interino chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Zamora Induta, depois de se recusar a assinar o comunicado do SIE (Serviços de Informação do Estado) que anunciava a neutralização da alegada tentativa de golpe de Estado?

Recordam-se que esta recusa teria obrigado os mentores do plano a confiar a assinatura do documento ao director-geral adjunto dos SIE, coronel Samba Djaló, que foi apontado como uma pessoa "muito próxima" (pudera!) de Zamora Induta e seu representante a nível do Ministério do Interior que tutela os SIE?

Ao que parece, tanto os políticos guineenses como os donos do poder na comunidade internacional, continuam pouco ou nada preocupados com o facto de os pobres guineenses (a esmagadora maioria) só conhecerem uma forma de deixarem de o ser.

E essa forma (desculpem estar há anos a dizer sempre o mesmo) é usar, não um enxada, uma colher de pedreiro ou um computador, mas antes uma AK-47. E enquanto assim for...

Será que os dirigentes da Guiné-Bissau, da CPLP (com ou sem Obiang) e similares se lembram que enquanto saboreiam várias refeições por dia, ali ao lado há gente que foi gerada com fome, nasceu com fome e morre com fome?

E, mesmo famintos, ainda sobra força aos guineenses para, ontem como hoje e certamente amanhã, fazerem o que já começa a ser um hábito: puxar o gatilho.

E assim se vai escrevendo a história do princípio daquilo que pode ser o fim da Guiné-Bissau. Realidade que não preocupa todos aqueles que vão continuando a cantar e a rir, levados, levados sim, por interesses pouco claros, sejam do narcotráfico propriamente dito ou não.

“Gomes Júnior tem de responder no TPI”

Os candidatos às eleições presidenciais na Guiné-Bissau, Carlos Gomes Júnior e Kumba Ialá, vão disputar uma segunda volta que ainda não tem data.

Será que Kumba Ialá tinha razão quando, em 17 de Junho de 2009, acusou o PAIGC de ser responsável pela morte de Amílcar Cabral,  "Nino" Vieira, Tagmé Na Waié, Hélder Proença e Baciro Dabó?

"Carlos Gomes Júnior têm que responder no Tribunal Penal Internacional pelas atrocidades que estão a cometer", no país, defendeu nesse dia Ialá, acrescentando que "há pessoas a quererem vender a Guiné-Bissau", mas esclarecendo que "serão responsáveis pelas turbulências que terão lugar no futuro".

Carlos Gomes Júnior disse que “era impossível coabitar com “Nino” Vieira que não passava de um bandido e de um mercenário que traiu o povo". Ainda se deve pensar nisso?

A promessa do ex-Presidente da Guiné-Bissau, Kumba Ialá, de acabar com o narcotráfico se fosse eleito nas presidenciais de 28 de Junho de 2009 ainda estará de pé?
Nessa altura, em entrevista a partir de Dakar, Senegal, para a rádio Sol Mansi (da Igreja Católica), Kumba Ialá afirmou que ficou surpreendido quando ouviu que estava a ser discutida a hipótese de a comunidade internacional mandar uma força militar para estabilização da Guiné-Bissau.

"Quando ouvi isso pensei logo que era uma vergonha para o país. Quer dizer que querem alienar a soberania do Estado. Se for isso então podemos pensar que lutámos pela nossa independência para nada", disse Ialá.

E talvez tenha razão, embora me pareça que neste caso se deve aplicar a frase “olhai para o que eu digo e não para o que eu fiz”. Mas se, de facto, o país está nas mãos, ou nos bolsos, dos que pedem aos pobres dos países ricos para dar aos ricos dos países pobres, se calhar é melhor pensar em acabar com a Guiné-Bissau enquanto Estado independente.

Francisco Fadul, por exemplo, defende a tese do protectorado, havendo se calhar alguns que apostam na neo-colonização ou, talvez, até num estatuto de província ou região autónoma de uma qualquer potência regional, caso de Angola.

Para Kumba Ialá, admitir a vinda da tropa estrangeira para a Guiné-Bissau significaria que os guineenses não são capazes de pensar pela própria cabeça, por isso "vão pedir que alguém venha pensar em seu lugar".

Não sendo a lucidez e o pragmatismo uma característica coerente da Kumba Ialá, devo reconhecer que nesta matéria está a pensar bem.

É claro que pensar bem não chega. Seria, mais ou menos, como para acabar com o perigo da gripe suína em Portugal o Governo mandar matar todos os porcos. Os porcos morriam, mas os suínos por lá continuariam...

"Alguém tem o seu interesse escondido nisso, quer que a Guiné-Bissau volte a ser uma colónia", defendeu Kumba Ialá, pedindo que "deixem a Guiné-Bissau em paz".

"Ou será que alguém quer, antecipadamente, vender a Guiné-Bissau, por causa de interesses mesquinhos. Que deixem o povo em paz", reiterou Kumba Ialá.

Sobre o narcotráfico na Guiné-Bissau, o líder e candidato do Partido da Renovação Social (PRS), afirmou na altura que se for eleito convocará uma "grande reunião no país", com os partidos políticos, governo, Parlamento, militares e a sociedade civil, para em conjunto analisarem a questão.

E se, hoje,  concretizasse essa ideia de uma grande reunião, Kumba Ialá não precisaria de convocar os narcotraficantes... já lá os teria.

"Quando o PRS estava no poder não havia a droga no país. Ninguém ouvia falar disso. Nem havia crime organizado. Não havia insegurança. Os estrangeiros viviam tranquilamente no país. Mas hoje não é assim", sublinhou nesses tempos Ialá.

Com ou sem Kumba Ialá, a Guiné-Bissau continua a luta. Creio que, de facto, há muita gente interessada em que os guineenses aprendam a viver sem comer. É claro que acabarão por reconhecer que quando estavam mesmo, mesmo quase, a saber viver sem comer... morreram.

Liberdade total é sinónimo de... MPLA

De vez em quando o MPLA sente necessidade de tentar reescrever a história, julgando ser dono da verdade e fazendo dos outros autênticos matumbos.

Como todos sabem, e nem era preciso ser o MPLA a dizer, foi o partido de Eduardo dos Santos que construiu África e que, entre outras nobres causas, libertou a Europa do jugo do Hitler. Crê-se até que nos arquivos do regime existe o original da procuração passada por Deus a Agostinho Neto em que o nomeava o seu único representante na Terra.

Entre fronteiras continentais, o MPLA também foi decisivo para tudo. Segundo o tenente-general que em 2009 comandava a V Divisão das Forças Armadas Angolanas (FAA), estacionada na Região Militar Sul, António Valeriano, a guerra em Angola foi imposta pelo regime racista sul-africano de então.

"Esta postura visava a manutenção do status quo ocupacionista do território namibiano, retardando a independência do país, ao mesmo tempo que se perpetuava o regime de Apartheid na África do Sul, pois Angola assumira-se como trincheira a favor dos povos subjugados, tão logo adquiriu a sua soberania", argumentou o oficial-general.

António Valeriano explicou que no universo das grandes batalhas, a ocorrida no martirizado município do Kuito Kuanavale, em 1988, constituiu pedra de toque para a derrota do invasor, cuja estratégia visava o derrube da autoridade legalmente instituída, após 11 de Novembro de 1975, com a proclamação da Independência Nacional.

Esta da autoridade legalmente instituída deveria ter suporte, digo eu, nos Acordos do Alvor. Não foi assim. Mas também o que é que isso importa se o poder foi dado por Portugal ao MPLA, esquecendo que a FNLA e a UNITA também lá estavam? Lisboa nada mais podia fazer, de facto. Os portugueses não poderiam esquecer que foi o MPLA que ajudou o seu país a libertar-se de várias opressões, nomeadamente da espanhola…

Para António Valeriano, o exército governamental, no direito e obrigação constitucionalmente atribuídos, concentraram esforços na defesa da soberania e integridade da pátria e, naquela parcela do território nacional, infligiu baixas consideráveis ao invasor. E não terá mesmo conquistado Pretória porque os comandantes já estavam cheios de saudades da família.

Falar de exército governamental quando se tratava das FAPLA, braço armado do MPLA, e de militares estrangeiros, entre os quais russos, cubanos, portugueses e brasileiros, parece algo desonesto, pelo menos do ponto de vista intelectual. Só parece. Desde logo porque foram só soldados do regime que derrotaram tudo quanto lhes aparecia pela frente, desde hienas a mabecos. Aliás, o que se julgou serem soldados estrangeiros eram homens das FAPLA disfarçados para apanhar o inimigo com as calças na mão.

"Foi a bravura, heroicidade e sentido patriótico dos angolanos que vergou os racistas sul-africanos, levando-os a assinar o acordo de Nova Iorque, juntamente com Angola e Cuba, aos 22 de Dezembro de 1988", recordou António Valeriano, acrescentado que se pode então encetar "a descolonização da Namíbia, a abolição do Apartheid na África do Sul e, consequentemente, a regularização política total da região Austral do continente".

Heroicidade dos angolanos? Para começar, havia angolanos de um e do outro lado da barricada. Além disso, os angolanos das FAPLA foram apenas carne para os canhões utilizados por cubanos, russos e outros que tais. Não, não foi nada disso – reconheço. Os angolanos só estavam de um lado, os que estavam do outro eram da UNITA e esses, como todos sabem, não eram angolanos e ainda está por confirmar se eram mesmo pessoas.

Deixando de lado as diatribes do MPLA e a sua atávica degenerescência intelectual, registe-se que, ao contrário do que diz António Valeriano, a batalha do Kuito Kuanavale foi um rotundo fracasso para o MPLA/governo, por muito que digam o contrário, por muito que ponham os sipaios do regime a escrever algo diferente.

Os objectivos do avanço dos exércitos da coligação FAPLA, sobretudo mas não só russos e cubanos, eram desalojar a UNITA da mítica Jamba e empurrar os sul-africanos que encontrassem para a Namíbia ou mesmo para além da Namíbia.

Algum desses objectivos foi alcançado? A UNITA foi derrotada e expulsa da Jamba? Os sul-africanos que a apoiavam foram empurrados para a Namíbia? A resposta é não, não e não.

E quais foram as consequências desta tão violenta batalha?

Os cubanos retiraram de Angola, a África do Sul saiu da Namíbia e esta obteve a sua independência mas nas condições ditadas pelos sul-africanos (nenhum dos interesses económicos da África do Sul na Namíbia foram tocados, a Namíbia continuou dentro do sistema aduaneiro sul-africano, o porto de Walbis Bay continuou administrado pela África do Sul).

E quanto a Angola, quais foram os resultados da famosa batalha?

Primeiro o MPLA aceitou negociar com a UNITA, o que até aí tinha recusado, pelo meio ainda tentou de novo chegar à Jamba (operação que foi chamada "Último assalto" onde foi derrotado de novo), depois foi obrigado a admitir o pluripartidarismo e eleições, o que a UNITA pedia desde… 1975.

Em resumo o MPLA/governo angolano não atingiu nenhum dos objectivos e pelo contrário teve de aceitar as condições impostas pelos adversários no terreno.

O MPLA tenta transformar pela propaganda uma derrota em vitória visando três objectivos:

Tentar reescrever e mascarar a História, operação a que o MPLA/governo angolano recorre frequentemente, como ultimamente se tem provado.

Provocar a UNITA/oposição angolana, porque a uma ditadura dá sempre jeito que haja reacção violenta.

Dar, como já acontece, uma mãozinha ao Presidente do ANC, Jacob Zuma, que necessita de se agarrar a este tipo de populismo, e do dinheiro do petróleo angolano, para se manter na Presidência da África do Sul.

Foto: Helicóptero russo capturado na batalha de Kuito Kuanavale e usado pelas FALA (UNITA)